terça-feira, 14 de maio de 2013

Direitos e Liberdade

Com as armas ou com a força da lei, o Estado pode impedir que o cidadão exerça seus direitos. Tem sido assim ao longo do tempo.

Quando os espanhóis invadiram a América do Sul, decidiram que os Incas não teriam mais o direito de praticar a sua religião, considerada pagã. Com menos de 200 soldados, o conquistador Francisco Pizarro derrotou o exército de 80 mil homens do imperador Inca, Ataualpa. Os índios não dispunham de armas de fogo e cavalos para enfrentar os invasores. Na carta enviada ao Imperador espanhol Carlos V para celebrar o feito nas terras americanas, o irmão de Pizarro disse: "Deus, o criador do céu e da terra e de todas as coisas neles existentes nos autoriza a fazer isso para que o conheçam e deixem essa vida bestial e diabólica que levam".

Durante o Império, os protestantes brasileiros foram impedidos de prestar culto publicamente. A Constituição afirmava no seu artigo 5º: "A religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do templo". Como consequência, os que professavam fé diferente não tinham o direito de se casar porque era reconhecido apenas o casamento realizado pela Igreja Católica.

De vítimas no Brasil, os protestantes se tornaram opressores na África do Sul. Quando os colonizadores europeus decidiram que os sul-africanos não tinham direito à terra e à livre circulação em seu próprio país, encontraram nos teólogos da Igreja Reformada da Holanda os argumentos para justificar o regime de segregação racial. A força dos holandeses se associou à "lei de Deus" para afirmar que os negros não poderiam ter os mesmos direitos que os brancos: "tutela branca não é tanto um direito como uma chamada do alto... porque nós não temos apenas uma política, mas uma mensagem: o Evangelho eterno", argumentava um artigo publicado pelo jornal oficial da Igreja em 1950.

A resistência daqueles que tiveram os direitos roubados pela intransigência religiosa trouxe luz para a sociedade, que, no lumiar do século XX, passou a valorizar o Estado Laico. Sem as amarras de grupos dominadores, os homens e mulheres livres decidiram que o Estado deveria garantir a todos o exercício de suas crenças e descrenças, a exposição clara de suas ideologias e visões de mundo. Cabe ao Estado Laico oferecer a todos os cidadãos o direito de caminhar livres com suas ideias. Portanto, nenhum grupo religioso ou ideológico pode usar o aparato do Estado para impor suas convicções.

A garantia de que pessoas do mesmo sexo se unam é simplesmente a reafirmação do Estado Laico. Qualquer cidadão religioso pode ser contra o casamento gay. Mas nenhum cidadão religioso tem o direito de exigir que o Estado acolha seus princípios para impedir que a sociedade ofereça os mesmos direitos a todos os invdivíduos.

É simples assim. Complicado é entender como aqueles grupos que tiveram seus direitos negados pelo Estado no passado queiram agora obrigar o Estado a restringir o direito de outros.


segunda-feira, 13 de maio de 2013

Eu defendo a menor idade

Sempre que um adolescente pobre da periferia comete algum crime, ouve-se o "clamor popular" pela redução da maioridade penal. Comoção semelhante não é percebida quando um filho da classe média atropela e mata ao sair da balada com o carrão do papai, ou quando é flagrado com comprimidos de ecstasy que serão distribuídos em alguma festinha na zona sul. Esse é o espírito da nossa sociedade, tema para outra hora. Aqui, pretendo apenas apresentar meus argumentos contra a redução da maioridade penal.

1)É falsa a afirmativa de que os adolescentes não são punidos quando cometem ato infracional. O Estatuto da Criança e do Adolescente é mais rigoroso do que o Código Penal. Explico. O adolescente infrator é condenado por um juiz de primeira instância, sem qualquer perspectiva de recursos a outros tribunais e, na maioria das vezes, sem o acompanhamento de um advogado. De acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, no final de 2010, havia 14.613 adolescelentes privados de liberdade (presos) no Brasil. Desses, 73% foram julgados na primeira instância, em sentença definitiva, sem possibilidade de recursos aos tribunais superiores. Os outros permaneceram recolhidos sem uma sentença judicial. Somente no Estado do Acre, havia 3.765 adolescentes privados de liberdade no período.

Entre 2011 e 2012, o número de internações cresceu 4,5%. Com a simples canetada de um juiz, o adolescente infrator pode ser condenado a três anos de prisão. Digo prisão porque, ao contrário do que estabelece o ECA, poucos Estados têm instituições adequadas para receber os jovens e iniciar um processo de reinserção social. A pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos revelou que, em 2011, 680 adolescentes estavam cumprindo a medida de privação de liberdade em cadeias públicas, juntos com adultos criminosos, sem qualquer acompanhamento de profissionais preparados para o trabalho socioeducativo.

Quantos criminosos adultos cumprem três anos de prisão? Antes de tudo, é preciso saber quantos são presos. Segundo o Mapa da Violência, do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, apenas 8% dos homicídios são solucionados no Brasil. Entre os julgados, apenas 30% recebem uma pena maior que oito anos de prisão. Com todas as possibilidades de recursos e progressão de regime, é fácil concluir que os outros 70% dificilmente ficarão mais de 3 anos na cadeia. Ao contrário dos adolescentes.

2) Também é falsa a informação de que as punições no Brasil são mais brandas que em outros países. Uma pesquisa feita pelo UNICEF em 2007 traz uma radiografia da legislação aplicada em diferentes regiões e culturas. Dos 54 países pesquisados, 79% adotam a maioridade penal aos 18 anos. Entre eles, Alemanha, Chile, Costa Rica, Espanha, Finlândia, China, França e Holanda. Há casos como o do Japão, onde a maioridade é considerada apenas aos 21 anos. Na maioria dos países, a responsabilidade penal começa aos 14 anos. No Brasil, a legislação admite que os adolescentes sejam responsabilizados já aos 12 anos, inclusive com a restrição da liberdade.

3) Já temos uma legislação que pune suficientemente. Lutar contra a redução da maioridade penal não é defender a impunidade. Todas as pessoas que transgridem a lei, sejam adultos ou adolescentes, devem ser punidos. Precisamos apenas cumprir o que propõe a legislação. Quem imagina o endurecimento das penas como saída principal para a violência expõe ao risco a própria liberdade. Uma sociedade baseada no estado policialesco isola cada vez mais os indivíduos.

4) Precisamos de um marco civilizatório baseado no bom senso. Qual é a idade ideal para que uma criança ou um adolescente sejam punidos da mesma forma que um adulto? 16 anos? 10 anos? Qualquer idade? Há um raciocínio muito utilizado pelo senso comum: se uma pessoa pode votar aos 16 anos, também pode ser presa. Poderíamos levar o argumento ao extremo. Se uma criança de dois anos tem a capacidade de escolher entre um pote de sorvete e uma porção de brócolis deve ser responsabilizada pela obesidade que vai lhe trazer problemas na vida adulta? No processo de formação da pessoa, as experiências de cada fase são diferentes e ajudam a construir o caráter. Ninguém é intrinsecamente mau. Crianças e adolescentes se tornam íntegros a partir das relações que estabelecem entre si e com os adultos com quem convivem. Afirmar que não cedemos ao apelo fácil de endurecer a punição a crianças e adolescentes é crer em uma sociedade que prioriza a construção de relações saudáveis em vez de decretar a falência da civilização.

5) Eu prefiro a institução de uma menor idade. Parece mais fácil empreender esforços para mudar a lei e punir as pessoas cada vez mais cedo. De minha parte, acho mais saudável lutar para que a educação, a saúde, o amor,a liberdade e a justiça alcancem todas as crianças em uma idade cada vez menor.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

A corrupção e seus autores

Todos os Governos são, em alguma medida, suscetíveis à corrupção e à ineficiência. Mas atribuir a eles a responsabilidade exclusiva pela corrupção e pela ineficiência é assumir um comportamento autista. Ao redor da máquina pública gravitam sempre empresas interessadas em utilizar a estrutura do Estado para o próprio benefício. Brasília vive atualmente dois casos que comprovam essa desfaçatez.

O Governo Federal está tentando aprovar no Congresso a Medida Provisória dos Portos. O que ela pretende? Criar condições para que os portos brasileiros sejam cedidos à iniciativa privada, aumentando a competição e a qualidade do serviço. Em tese, uma iniciativa que vai melhorar o funcionamento de um setor importante da economia. Entretanto, a aprovação da MP enfrenta forte resistência no Congresso, patrocinada pelo empresário Daniel Dantas, da Santos Brasil, controladora do maior porto brasileiro. Ele quer reinar sozinho no setor e faz um lobby acintoso para impedir a aprovação da medida.

O Governo do Distrito Federal está realizando uma rodada de licitações para modernizar o transporte urbano de Brasília. Há séculos, os mesmos grupos empresariais dominam o setor, oferecendo um dos piores serviços do país. No novo modelo de concessão, a cidade foi dividida em bacias, regiões que vão receber um conjunto de linhas de ônibus integradas. Para evitar o monopólio, cada empresa só pode concorrer a uma bacia. O que fez o grupo do empresário Nenê Constantino, que acumulou fortuna transportando os moradores da cidade feito gado a caminho do matadouro? Criou empresas chefiadas por laranjas, com o objetivo de ganhar a licitação de várias bacias, mantendo o monopólio vergonhoso. E ele está conseguindo burlar o processo.

Por trás de qualquer ato de corrupção em licitação pública há sempre uma empresa. Interessante o argumento de alguns empresários flagrados: "eu não tive outra alternativa. Se não pagasse a propina, não poderia participar da licitação". Há sim uma alternativa: reafirmar a ética e o comportamento que nós exigimos dos Governos.